quinta-feira, 13 de setembro de 2012

As Manifestações ou Uma Visão Particular e Crua Sobre o Global




Se a mobilização a que se assiste neste momento tivesse em vista um concerto, um jogo de futebol, uma festa na praia com música pimba ou uma festa partidária, lá estaria o povinho em peso. Iriam todos sem hesitar, desde que a música puxasse o pé para a dança, o tinto e a cerveja escorregassem com fartura e os comes fossem de borla. E depois seria vê-los, anestesiados e aturdidos, autênticas baratas tontas, a idolatrar, com caras de basbaque e uma admiração estúpida no olhar, uma qualquer criatura dita famosa, criada à medida do tosco gosto da populaça.
Mas a mobilização é para uma manifestação. E o povo só comparece se não houver jogo na televisão, ou churrasco na casa dos amigos, ou sol que permita um picnic ou uma tarde de praia bem passada com bolas de Berlim e gelados. A indignação, essa, fica para outra altura, quando houver mais vagar. E isso se durar até lá, porque o que é costumeiro é desabafar em voz alta, quase a berrar, no café, com os amigos e conhecidos. Ou então mandar uns palpites às câmaras de televisão que, nem sei se por acaso ou por decreto, se empenham sempre em escolher a dedo, para entrevistar, os espécimenes mais broncos e mais rudes.
Este é o comportamento barbárico de uma das maiores faixas da população. Pela sua natureza e dimensão, portanto, constitui esta faixa a menina dos olhos dos governos! Ela é manipulável, contenta-se com pouco. Aguenta as pancadas sucessivas porque é formada por gente habituada ao trabalho duro e ao sacrifício, e por gente de mão leve no que toca ao alheio. O deus no céu e o clube de futebol na terra constituem um terreno firme para cultivar a ignorância, para alimentar as tradições que incentivam à não-mudança. Esta faixa é a grande garantia de um voto no quadrado certo do político velhaco. Uns beijos lambuzados, um aroma a peixe e umas escamas que teimosamente se agarram à mão dos passou-bens, é tudo o que é preciso para vender o voto e garantir a desejada continuidade. E o povo, inculto, ignorante, crédulo e impreparado compra-o, sem sequer olhar ao preço que por ele terá de pagar.
Nesta faixa incluem-se também os imbecis. São aqueles que acham que sabem tudo, que têm razão em tudo, que percebem de tudo. São os que, apesar de, na sua maioria, terem formação, permaneceram no nível básico no que toca à inteligência e ao senso comum. São os que vivem segundo valores e princípios de ocasião, distorcendo-os e tergiversando-os a seu bel-prazer, sempre com o intuito de ganhar, obter, subir. Normalmente passam pela vida montados em topos de gama e despedem-se dela com o mesmo grau de estupidez com que nasceram.
Estes são os que comparecem nas manifestações para fazerem a triste figura do engraçadinho no meio da multidão. Gostam de dar nas vistas e, se lhes for dada demasiada atenção, proferem parvoíces com a convicção do mentiroso patológico e com a cadência de um disco riscado. Têm tendência para gerar conflitos e desfrutam com os tumultos que causam. São bastante apetecíveis para os abutres do poder. Caracterizados pela imbecilidade dos seguidores de modas, votam pelo som que melhor satisfaz os seus ouvidos. Normalmente soam-lhes bem as palavras dinheiro, poder, luxo, etc. Costumam votar no partido da moda, isto é, no mais provável vencedor, mas não sabem, em consciência, porque o fazem.
E fica assim o governo descansado: o povo que for à rua vociferará alguns impropérios para aliviar a tensão e voltará a casa tão manso, tão passivo e tão conformado como antes!
A segunda maior faixa da população é constituída por aqueles que, tendo educação, formação específica, princípios e valores, são no entanto discretos, sensatos, ponderados. Tratando-se de pessoas equilibradas e responsáveis, elas apercebem-se com racionalidade e senso comum, da degradação galopante da sociedade, da economia, dos princípios democráticos e de sã convivência. São normalmente pessoas exemplares como cidadãos, como profissionais, como conterrâneos. As que votam fazem-no em consciência, dando sempre ao eleito o benefício da dúvida em nome de uma esperança mais que desejada. As que não votam, branda e persistentemente vão tentando melhorar o mundo que as rodeia.
Se comparecem nas manifestações, o seu comportamento é sempre cívico e educado. Mantêm no pensamento as dificuldades por que passam os seus semelhantes e tentam sempre fazer o seu melhor. Porque são pouco influenciáveis e pensam por si próprias, conhecem bem os poderosos maquinismos que se movem por detrás das desgraças de um povo. Sabem muito bem quem são os amos e senhores que ditam, implacáveis, os destinos do mundo.
É para esta faixa que se direcciona a pouca conversa inteligente dos políticos. Não é, no entanto, uma faixa fácil de convencer.
E finalmente, há uma terceira faixa de população que é, na sua esmagadora maioria, a responsável pela situação actual. É a faixa dos magnatas, dos banqueiros, dos grandes empresários, dos políticos, dos interesseiros, dos corruptos, dos ladrões, dos extorsionistas, dos habilidosos, dos alpinistas sociais, do jet-set, dos oportunistas, etc., etc., etc.
Ora estes, que se têm em grande conta e pertencem, segundo os próprios, a uma estirpe superior, jamais se misturam em aglomerados populares. Jamais partilham também do rosário de lamentações do povinho, que, aliás, se queixa por tudo e por nada. Alguém que passe dificuldades ou que não tenha que dar de comer aos filhos, para estes “seres superiores e intocáveis” são meras afirmações que soam vagamente a títulos deprimentes de filmes lamechas do pós-guerra. E, obviamente, para estes cérebros de cabeça de alfinete desprovidos de qualquer compaixão, um salário mínimo é mais do que suficiente para que as famílias, ainda que filhas de um deus menor, vivam confortavelmente.
Esta é a faixa que sustenta o poder no seu âmbito geral. Votam uns nos outros, formam compadrios e assinam acordos. Fazem pender o prato da balança para o lado que mais lhes convém e chamam a isso equidade. Possuem um sistema de interajuda a nível internacional e encobrem-se uns aos outros. Tudo em nome do país, da melhoria das condições de vida, de uma democracia que não passa de uma marca subliminal implantada no cérebro dos ignorantes, dos imbecis e dos crédulos.
Esta é a faixa que escora o sistema. Um sistema podre e corrupto, de interesses elitistas, de profundo desprezo pela vida humana, pelos valores fundamentais do homem. Esta é a faixa que salvaguarda a sua própria existência à custa da constante degradação das condições de vida, de educação, de saúde, de sustentabilidade.
Por tudo isto, as manifestações, por maior imponência que possam vir a ter, serão sempre, para a faixa que detém o controlo, um divertimento passageiro e nunca uma pedra no sapato.
 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Das Inutilidades e Da Alma



Inner Soul Search - Colette Guggenheim


É tudo tão inútil. Ou, pelo menos quase tudo. Não são inúteis os sorrisos, não aqueles que se esboçam com bonomia. Mas são inúteis aqueles que lembram uma irreprimida contracção muscular. Não são inúteis os bons dias que transpiram sinceridade e soam a um trinar primaveril. São inúteis, porém, os que são dados entredentes, que não transmitem nada mais que um visual esgar, contrariado por um som que se pretendia mudo.
É inútil o gesto que contraria a palavra e é inútil a palavra que não se espelha no movimento corporal. É inútil a cortesia estudada, a simpatia seca, a disponibilidade que se espera não receba aceitação. São inúteis os sim que são não, os assentimentos e as concordâncias como meros nutrientes para o ego. São inúteis as dádivas focadas no receber e os abraços vigorosos que esperam recompensa.
São inúteis os aplausos impregnados de inveja e as adulações nascidas do ciúme. Inúteis também as opiniões forjadas em pensamento alheio e as atitudes escolhidas em passerelle. É inútil o que se diz e desdiz ao sabor das gentes. São inúteis as palavras de honra ditadas pela ausência da honra, e as indignações em defesa de inexistentes integridades.
Todavia, jamais será inútil todo e qualquer acto, palavra, ou sentimento advindo da profundeza da alma do ser que, sozinho, procura no silêncio a marca da verdade.


domingo, 9 de setembro de 2012

A Era do Camaleão


Human Chameleon - Margarita Fields


Tal como eles, mudamos conforme o meio, no nosso caso, o meio social. Somos inconstantes, seguimos o turbilhão. Jamais paramos para pensar “Aonde é que isto me leva?”, tal é a pressa de chegar. Mas chegar onde?
Qualquer que seja o turbilhão, ele só pode desembocar no destino que o pensamento colectivo lhe ditou. Vai o pensamento da massa para ali, e todos vão para ali. Mas se o pensamento da massa indica agora que o caminho é o oposto, eis-nos que vamos pelo caminho contrário sem sequer pestanejar. O que somos? Títeres?
Avança por impulsos a humanidade. Ditados os destinos numa determinada direcção, parece desaparecer a individualidade, característica intrínseca, e o instinto de chegar a algum lado sobrepõe-se à razão. Mas chegar onde?
Não há destino comum que não passe por uma consolidação do pensamento individual. Não há lugar efectivo de chegada enquanto não houver consenso no lugar de partida.
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