quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Palavra dada e apertos de mão



Hoplita saudando com um aperto de mão um homem mais velho - Grécia antiga - séc. V aC

Outrora, em tempos idos, já muito, muito esquecidos, a palavra de um homem tinha o valor de um contrato. Selava-se com aperto de mão, e às vezes nem isso. Bastava a palavra pronunciada por Fulano para que Beltrano tivesse a certeza de que assim seria. E faltar à palavra dada era desonra. Profunda e verdadeira desonra. Manchava o indivíduo, maculava a família. Andariam todos de olhos baixos. Vergados pelo peso da vergonha. Envoltos na humildade que lhes crescia à medida que a integridade encolhia. O faltoso ponderava o suicídio. Sempre era mais digno matar-se e limpar da vergonha a família do que persistir numa vida entrevada pela falta de carácter que o incumprimento da palavra dada supunha. E, por vezes, nem era culpa do faltoso. Convergiam circunstâncias de uma tal fatídica maneira que o impediam de humanamente honrar o compromisso. Não era culpa dele, não senhor. Mas de passar pela vergonha do culpado, isso já ninguém lho tirava.

Foram desaparecendo aos poucos esses homens de palavra. Perderam-se na bruma dos tempos. E os poucos que ainda existem ocultam-se. Porque são homens honestos, íntegros, rectos. São espécie quase extinta. E portanto podem ser trucidados a qualquer momento.

A honestidade, a integridade, a rectidão, foram substituídas pela corrupção, pela mentira, pela astúcia. Foram substituídos os conteúdos mas não os nomes. Ao longo dos tempos, os conceitos das virtudes que constituíam o carácter são e humano de um homem foram esvaziando-se de conteúdo. E o vazio que ficava foi sendo cuidadosamente preenchido com os instrumentos da manipulação. Com os instrumentos que iriam garantir a perpetuação do poder em todos os seus aspectos. Com todos os instrumentos que, pela sua própria natureza desumana, não fizeram jamais parte do carácter são de um homem verdadeiro.

Foi então que se instalou a grande confusão. Tendo-se mudado o sentido dos conceitos mas tendo-se-lhes mantido o nome, começou a ser frequente louvar o canalha e achincalhar o homem de bem.

Tenha, pois, cuidado, caro leitor, que o que parece já não é! Quando lhe disserem que o candidato fulano de tal é um homem de impoluta rectidão e de transparência inigualável, pode ter a certeza, caro leitor, que o candidato é um podre corrupto e um inveterado mentiroso. Quando ouvir os governos dizerem que para bem do país e do povo foram forçados a tomar esta e aquela medidas, fique o caro leitor ciente do seguinte: as medidas escolhidas foram as que beneficiaram o interesse particular, aquilo de que o país beneficiou foi ascender dois ou três lugares na escala da corrupção mundial ou ter subido mais uns pontos na consideração das máfias internacionais e o povo, você e eu incluídos caro leitor, simplesmente ficou a conhecer mais uma das mil e uma maneiras de ser sodomizado.

Assim sendo, e tal como estão as coisas, talvez seja melhor dar atenção à palavra e evitar apertos de mão...
























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